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Luto da toga - Carlos Henrique Abrão

Nunca antes na história deste País o judiciário foi tão achincalhado e desprestigiado após o mensalão e a operação lava jato cujos resultados foram deletérios e de péssimas sinalizações em prol do aumento da corrupção e consequente impunidade.

No entanto, a Justiça brasileira anda de marcha ré e está no século, XX pois que não encontra ferramentas para alcançar a melhor tecnologia e a política que invadiu a toga a coloca de luto em razão do fisiologismo e sua conotação ímpar de subserviência ao poder instituído, qual seja o establisment, principalmente pela falta de autonomia financeira e uma situação periclitante da remuneração carcomida pela inflação.

No entanto não é só. Recente episódio de impedimento de Ministro bem demonstra a sangrenta luta entre os poderes e o que pode ser feito no dia da proclamação da independência. Quando uma autoridade judiciária no pleno exercício de sua jurisdição e na prerrogativa do cargo que ocupa é ameaçada por impedimentos ou pronunciamentos censórios temos uma mordaça combinada com censura que é o pior de todos os mundos.

Contudo tudo sucede pela leniência em ser alterada a vetusta Lei Orgânica da Magistratura, arejados os tribunais e mudados os parâmetros de ingresso nos Tribunais Superiores pondo fim ao quinto constitucional e oxalá aos mecanismos de controle da justiça castrense.

A reforma do judiciário é inadiável e milhões de processos que tramitam pela pandemia de uma justiça nada célere e até certo ponto cara compromete e arranha a sua imagem, hoje a circunstância demonstra um total desapreço pelo magistrado e muitos antes do tempo pedem exoneração ou se aposentam, pois que as condições de trabalho e a pecaminosa característica de julgamentos telepresenciais com infindáveis sustentações orais, muitas das quais desnecessárias, coloca o holofote na imprescindível mudança do sistema.

De nada adianta alterar o CPC para se obter o resultado útil do processo se não  há colaboração ou cooperação das partes e de seus patronos, muitas causas sedimentadas pela jurisprudência tomam o rumo do mesmo sinalizar de rediscussão e amargas realidade de perda de tempo.

O Judiciário não estava como os demais poderes preparado para o enfrentamento da pandemia e viveu um regime excepcional de medidas para contornar sem por o dedo na ferida do grave problema, haja vista processos físicos e a falta de acesso aos fóruns e contatos diretos com magistrados.

A par dessa calamitosa situação a toga vive tempos sombrios, de trevas e um luto sem tréguas porquanto a injustiça que contamina o Brasil é gritante e como frisou recentemente o Ministro Marco Buzzi, do STJ, essa discussão deve ser trazida para o centro dos debates, pois que o problema fundamental do brasileiro é a assimetria, a desigualdade social e as diferenças sociais que abalam e demonstram a incapacidade do Estado e da sociedade colocarem um freio de arrumação, mas ao contrário o diagnóstico é descermos ladeira abaixo.

Enquanto muitos se preocupam com o próprio umbigo de ficar bem na foto e cultivar o poder o referido comportamento gera a fragmentação da carreira ainda mais quando a aposentadoria compulsória chega aos 75 anos. Os mandatos dos Ministros do STF não deveriam exceder 8 anos tempo suficiente para mostrar serviço e deixar uma jurisprudência consolidada. A indicação vinda do Presidente não pode ser uma verdade absoluta para se ocupar o assento do STF as entidades de classe nada fazem ou protestam mantendo uma assimetria constitucional.

A mesma existe no STJ pois que os juízes federais concorrem em igualdade de condições com os estaduais para vagas naquela Corte. Enquanto temos uma média de 150 desembargadores federais em todo País doutro lado mais de 1500 desembargadores estaduais nas 27 cortes dos estados federados, donde se percebe que o mecanismo para concorrer é absolutamente inexato e beira a inconstitucionalidade.

Dentro desse âmbito de visão e desacreditado pela população, desenganado pela sociedade e o pior de todos os mundos com brigas internas fratricidas o judiciário nacional permanece em estado de luto, estando abarrotada a primeira instância e super aquinhoada a segunda com infindáveis recursos muitos dos quais relacionados com matérias já ditadas pelo STJ uniformizando o tema.

E sem um sistema de freio e contrapeso que possa barrar essa lentidão e carestia da máquina, orçamento somente em SP beira 15 bilhões de reais se comparado com as cortes europeias e norte americanas um valor extraordinário para um resultado muito aquém do esperado pela sociedade civil como um todo, basta olharmos os índices de criminalidade e a insegurança geral da população de grandes cidades.

Em resumo, se os dirigentes da Justiça não propuserem no curto prazo uma reforma revolucionária para o judiciário nacional, já que é sem expectativa a revisão apenas legislativa, o caos será alcançado em poucos anos e o sistema ficará paralisado pela falta de servidores e poucos magistrados dispostos a sofrer as agruras do cotidiano e ficarem com a espada de Damocles na cabeça para reclamações e cobranças absurdas diante da realidade franciscana da infraestrutura da grande maioria das cortes estaduais brasileiras, o estado de luto representa a constante vigilância em torno da mudança.

Carlos Henrique Abrão é Doutor em Direito Comercial pela USP com especialização em Paris, professor pesquisador convidado da Universidade de Heidelberg, autor de obras e artigos.