Se eu penso, logo existo? Ou desisto? - Jorge Serrão
Conceitos básicos, filosóficos e morais, são esquecidos pela maioria que não identifica a realidade. Sempre ouvimos falar da importância de aumentar a participação dos jovens na vida Política, inclusive na Partidária. O pressuposto é que a renovação é sempre o melhor jeito de melhorar algo que não está bom. Ou melhor: está péssimo.
Recebi um e-mail de um leitor me relatando suas reflexões sobre o papel do jovem na Política. Por motivos óbvios não irei identificá-lo. Mas vale a pena apresentar aos 12 leitores e meio deste Alerta Total as reflexões profundas, intensas, reais, deste senhor - que merecia um título de “ideólogo profissional”.
Ele inicia sua mensagem me contando que está chegando aos 70 anos, casado, pai de três filhas maravilhosas, avô de quatro jovens que ele ama demais e que gostaria de deixar a eles um Brasil melhor.
Este senhor se sente responsável por tudo que está aí. Sua juventude nos anos 60 e 70 foram repletas de sonhos que, hoje, mais parecem, na verdade, ilusões sobre como uma sociedade idílica e libertária seria possível e faria melhor a vida de todos. Veio a maturidade, encontrou o amor da sua vida, casou-se e teve as filhas para as quais direcionou todo o seu esforço e dedicação. Educar suas filhas, transmitir lhes bons valores morais e prepará-las para um futuro melhor era tudo o que ele fazia ou pelo menos tentava fazer.
Mesmo pensamento tem hoje em relação aos seus netos. Em 2016, um deles decidiu se candidatar a vereador. Queria mudar o mundo, fazer o bem, lutar contra a corrupção generalizada, apoiar a Lava Jato, melhorar a cidade onde nasceu. O Avô foi pego de surpresa. Mas percebendo o entusiasmo do neto e de seus amigos, além da própria família, acreditava estar testemunhando o nascimento de uma nova onda de juventude engajada. De repente, os anos 60 e 70 estavam voltando?
Apoiou o neto, como não poderia deixar de ser. O jovem se elegeu. A família toda ficou eufórica. O Brasil tem solução. Renovação, já! Vamos varrer a corrupção de vez, começando pela nossa cidade. E vamos fazer um País melhor. Mãos a obra!
O orgulhoso avô relatou: “No primeiro ano como vereador, meu neto trabalhava intensamente e não tinha hora para descanso. Trabalhava de gabinete aberto, sempre recebendo a todos que o procurava e visitava moradores em seus bairros. Aquela força vital que só a juventude tem”.
Percebendo o pouco resultado prático de tanto trabalho, o avô verificou que seu neto começou a criticar a burocracia, a lentidão, a perda de tempo e a completa falta de preocupação com o bem-estar das pessoas. Tornou-se um crítico do sistema.
“Ao se deparar com as primeiras sujeiras e corrupções da política, começou a denunciar publicamente. Convocava a população para as sessões. A intenção era ocupar as galerias e participar mais da política. O problema é que assustou os demais vereadores”.
Então, os parlamentares mais antigos abriram uma “comissão processante” para cassar o mandato do neto, por falta de decoro. Foram meses de ameaças e intimidações. A tal da Procuradoria Jurídica da Câmara dos Vereadores fez um tal de “parecer” no qual apontava que as notas fiscais apresentadas pelo neto “não estavam de acordo com as regras”.
Eram despesas de combustível, alimentação e de organização de moradores dos bairros. O neto havia recusado a usar carros oficiais. Todos que trabalhavam com ele usavam seus próprios carros, seus próprios celulares. Até a casa do avô era utilizada como local de encontros, reuniões e mobilizações.
O Establishment local iniciou o processo de cassação do mandato do “vereador rebelde”. A imprensa local questionava sua honra, sua integridade. Seus apoiadores foram se afastando e até seus melhores amigos também. Alguns perguntavam se as acusações contra o seu neto eram verdadeiras. Afinal, se a mídia local estava noticiando, alguma verdade deveria ter naquelas acusações. O avô contou: “Vi meu neto ficar triste, magoado e se sentindo abandonado”.
Um amigo de infância de seu neto e que trabalha em uma rádio local lhe confessou que as portas foram se fechando porque “... vieram ordens de cima de não mais dar espaço para ele...”. O netinho vereador se tornou alvo fácil do Mecanismo...
O neto, cansado, decepcionado pela apatia e omissão das pessoas pelas quais ele tanto estava lutando, foi perdendo a vontade de estar na política. Decidiu anunciar na Câmara que não iria mais se candidatar a reeleição e que para ele era indiferente se iriam cassar seu mandato ou não.
Algumas semanas após esse discurso, seu neto recebeu a visita de um deputado estadual do seu partido político, se oferecendo “para ajudar”. Iria conversar com os demais vereadores e tranquilizar a situação. O político profissional aconselhou que o neto “deveria fazer política de outra forma, ser mais estrategista”.
Depois desse encontro, o neto passou a viajar, mensalmente, para a capital, São Paulo, para se reunir “com políticos importantes”, segundo suas próprias palavras. Resumindo: o novo político foi cooptado pela velha politicagem.
O avô notou que, aos poucos, o brilho dos olhos do seu neto foi diminuindo: “Aquele idealismo juvenil acabou sendo devorado por palavras como governabilidade, responsabilidade partidária e todas aquelas baboseiras vazias que ouvimos tanto na nossa imprensa”.
Depois da mudança para um estilo politicamente mais light, o neto teve uma reeleição fácil, com apoio financeiro do “partido”, presença de deputados da capital e até as rádios diziam que ele representava a nova geração de lideranças da cidade.
O avô percebe que, agora, a casa da sua amada filha é frequentada pelo prefeito, secretários municipais e outros vereadores. Não comparecem mais os amigos de infância, lideranças comunitárias. A imprensa local só o elogia.
Esse senhor, esse avô, assistiu nos últimos anos à implacável cooptação que esse sistema político brasileiro faz com todos que tentam curar o Brasil desta doença chamada corrupção sistêmica e estrutural. Os burocratas e a máquina pública sufocam e castigam cruelmente quem ousar enfrentá-la.
Se você pensa significa que você existe? Essa máxima cartesiana parece não funcionar no Brasil.
Esse senhor não reconhece em seu amado neto, aquele jovem que um dia sonhou em lutar por um Brasil melhor para todos. Segundo ele, seu neto se transformou em um político tradicional. Mataram aquele jovem idealista e sonhador que tentou, com a sua pouca experiência, mudar a realidade da cidade onde nasceu.
O jovem não conseguiu enfrentar sozinho a tecnocracia imunda, esses burocratas que sugam, como parasitas, o nosso País.
Na breve história do seu neto, o avô enxergou a própria história: “Nossos vizinhos e nossos conhecidos que já foram absorvidos por essa máquina infernal que escraviza nosso povo são os primeiros a se voltarem contra você. Nossa elite intelectual é medíocre. Faltam líderes verdadeiros para inspirar as novas gerações”.
O depoimento e desabafo deste avô merece, de todos nós, uma pausa e uma reflexão. Afinal somos mesmo, todos nós, uma grande massa sem coragem, sem rumo, sem princípios e sem ideais?
Vamos abandonar nossos filhos e netos aos abutres da politicagem e do desgoverno do Crime Institucionalizado?
A resposta correta é: NÃO! Os jovens ainda sonham que é possível um Brasil mais honesto, mais justo, no qual ter bom caráter não seja uma fraqueza que será utilizada para massacrar os sonhos desta geração que aí está.
Quem reclama já perdeu! Quem pensa com base na realidade e na verdade não tem o direito de desistir. Vamos insistir, agir e virar o jogo desfavorável.