Degradadas Instituições Republicanas - Aileda de Mattos Oliveira
Por Aileda de Mattos Oliveira O então Presidente Collor, um aficionado do marketing político, falava, demagogicamente, em “porto seguro da justiça”, nos seus discursos, inflamados e ponteados de gesticulação estudada, previamente, frente ao espelho. Para que essa expressão fosse uma representação verbal da realidade, seria necessário que houvesse a consciência do outro como indivíduo e não a do eu, autônomo da coletividade; só, dessa maneira, permitiria a aplicabilidade da lei, com igual peso, obrigando, como disse, o filosofo Protágoras, “os que mandam e os que obedecem a conformar-se-lhe”, isto é, todos, sem exceção, o eu e o outro, teriam que ser beneficiados pela lei ou, ao contrário, sofrerem sanções por terem-na violado. Somente, assim, a Justiça, de olhos vendados, transformar-se-ia no “porto seguro”, sem ver distinção de estrato social e de função política exercida. Porém, essas ideias retas também foram rejeitadas no julgamento de Sócrates, quando foram ouvidas e acatadas, somente, as partes que representavam os interesses do mandatário do momento. Nada mudou! Permaneceu a lei como “um instrumento da vontade do poder dos homens no poder”, como disse Trasímaco, personagem ditatorial daquela mesma época, século IV a. C. Nada mudou! É redundante identificar as decadentes Instituições Nacionais. É repetir o óbvio, é circunvagar pelo epicentro do deboche, da chicana de seus membros, que não se importam nas consequências que causam ao País, em razão da desvairada ambição pelo dinheiro, seja qual for a origem e o caminho que toma, desde que lhes dê mais Poder. Interessante assinalar, que somente estufam o peito de empáfia, os frágeis conhecedores de sua própria área de atuação. Há uma diferença abissal entre o saber sedimentado do passado e as informações, de hoje, captadas aqui e ali, que se poderia chamar de “saber whatsappiano”. A primeira Instituição, Congresso, passou a existir, ainda no Império, após, D. Pedro de Alcântara, em breve, D. Pedro I, decretar, em 3 de junho de 1822, eleições para a instalação da Assembleia Geral, Constituinte e Legislativa do Reino do Brasil, que deveria iniciar seus trabalhos em 1823. São 197 anos, quase dois séculos, que o Brasil carrega nas costas um Parlamento que se foi degradando a olhos vistos e, hoje, apenas, é uma caricatura de Instituição Republicana. Quanto à segunda, Supremo Tribunal Federal, recebeu a pomposa denominação que ostenta, na Constituição Provisória, de 1890. São 130 anos de existência dessa inutilidade que, nos tempos que correm, sai cara, em demasia, aos bolsos do contribuinte. Agradeçamos a Getúlio Vargas, pois eram quinze os privilegiados togados, que o “Estado Novo” diminuiu para onze. Atualmente, onze perniciosos elementos trabalham, gostosamente, para quem lhes afagar o ego e, por efeito imediato, receberá, em troca, o benefício do gesto. Segundo a obra, “O Supremo Tribunal Federal” (Brasília, 1976), o artigo 59 do documento constitucional de 1891, determina as obrigações deste órgão, que foi elevado à “cúpula do Poder Judiciário, segundo os postulados do governo republicano e democrático que se instalava no País” (p.5). Diz o documento: “De logo sobressaiu dentre as mais importantes missões conferidas ao Tribunal, a de guardião da constitucionalidade, mediante o controle da observância dos princípios inscritos na Carta Magna; embora oferecendo aspectos peculiares às diversas fases históricas vividas pelo País, essa continua sendo, até nossos dias, a mais relevante das tarefas de nossa Corte Suprema”. (p. 5-6; o grifo é meu.) Quando a obra fala em “até nossos dias”, naturalmente, refere-se a 1976, ano da sua edição, porque nos dias atuais, os ‘supremos’ togados, agem, com destreza, em benefício próprio, contra a letra constitucional, um vergonhoso comportamento que denigre, por analogia, qualquer magistrado de outras Instituições Judiciárias. Trasímaco tinha ou não tinha razão? É tão baixa a concepção desses homens quanto aos deveres éticos e morais, que se supõe terem ignorado a obra citada, ou, o que é mais correto deduzir, pouco estão se importando com a Carta Magna, hoje, um instrumento, sem utilidade, citado, tão somente quando preenche às necessidades retóricas dos presunçosos ‘julgadores’, pois não há observância, em nenhum dos atos desses ‘magistrados’, que indique respeito aos tais “princípios inscritos”. Apesar de a Primeira Constituição Republicana ter sido redigida em 1891, por Ruy Barbosa e Prudente de Moraes, os princípios primários, básicos, fundamentais, são sempre os mesmos. O que mudou, infelizmente, pela ausência de conhecimento substancial, de peso, foi a capacidade intelectual dos homens públicos brasileiros. A diferença de faculdade conceptual e de discernimento existente entre os dois primeiros redatores da Constituição da Primeira República e o bando de rabiscadores que, em 1988, deixou para a posteridade a popularesca “Cidadã”, é de profundidade oceanográfica. É essa diferença intelectual que contribui para a ausência de seriedade nos comportamentos parlamentar e judicial; para a ausência de visão coletiva de que o outro é a população que lhes paga e, não, uma carta fora do baralho político. Essa ignorância, elevada a muitas potências, por incrível que possa parecer, não impede que ganhem os membros dessas duas Casas, muito mais de cinquenta vezes a renda da metade da população brasileira. É essa gente que leva à perda de respeitabilidade essas duas Casas, agora, capciosas e degradadas Instituições. Aileda de Mattos Oliveira é Dr.ª em Língua Portuguesa. Acadêmica Fundadora da Academia Brasileira de Defesa (ABD); Membro do Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos (CEBRES) e Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB), Articulista do Jornal Inconfidência. |